terça-feira, 5 de agosto de 2008

TJDF - Sentença declara existência de união homoafetiva

Semana passada, na primeira aula de Direito de Família ministrada no IESB, fomentamos um interessantíssimo debate sobre as uniões homossexuais, com participações altamente bem fundamentadas, em todos os sentidos, por parte de todos os alunos da Turma CJUN8B.

Agora, o aluno Igor Cardoso me envia atenciosamente a seguinte nota, pela qual agradeço, conclamando os demais colegas a colaborarem também com este humilde blog:

Juíza impõe também reconhecimento de todas as vantagens inerentes ao fato, inclusive a de receber pensão do militar falecido

O companheiro homossexual de um militar terá direito de receber pensão pelo Exército Brasileiro. A juíza da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Gama reconheceu a existência de união homoafetiva estável entre o casal.

Na sentença, a magistrada considera a existência de novas entidades familiares baseadas em relações de afeto. O reconhecimento se deu após a morte do militar. Segundo consta do processo, os dois iniciaram o relacionamento amoroso em agosto de 93, e desde setembro daquele ano moravam juntos. A união era pública e, conforme o autor do pedido, o casal vivia como se fosse efetivamente casado, mantendo o compromisso de fidelidade recíproca e respeito mútuo. O pedido foi formulado em desfavor da filha do militar, até então, única beneficiária do falecido.

Embora a herdeira tenha contestado a existência do relacionamento amoroso entre o autor do pedido e seu pai, outras provas comprovaram a união estável. Uma das testemunhas afirmou em juízo que os parceiros moravam juntos há onze anos. Outra disse que o companheiro foi a única pessoa presente no hospital quando o militar estava doente.

Na sentença, a juíza reconhece que o artigo 226 da Constituição de 88 não faz menção expressa à união homoafetiva como entidade familiar, mas também não a exclui. Segundo a magistrada, é possível chegar a essa conclusão por meio de uma interpretação "unitária e sistêmica" do texto constitucional, que traz a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a não-discriminação em razão de opção sexual e o pluralismo familiar como princípios norteadores. A norma constitucional, ainda de acordo com a sentença, deve ser interpretada de forma a extrair-se dela o maior alcance social.

Um dos trechos diz: "Não há como negar que agrupamentos familiares formados por avós e netos, tios e sobrinhos ou entre irmãos, todos tendo como ponto de convergência o afeto, constituem entidades familiares ... inclusive a união homoafetiva". O relacionamento homossexual estável foi amplamente demonstrado nos autos.

Diante disso, a juíza julgou procedente o pedido, declarando a existência da união homoafetiva estável. Com essa declaração do Judiciário, o autor poderá pleitear a pensão deixada pelo companheiro.

Fonte: TJDFT

2 comentários:

Anônimo disse...

A inexistência da Lei específica a respeito do tema não impede a apreciação da questão jurídica posta em julgamento, com base em princípios constitucionais. Aliás, o caput do artigo 5º da Constituição Federal assim dispõe:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

A consagração do princípio da dignidade da pessoa, como norte principal para o julgador, permitiu ao juiz brasileiro a possibilidade de suprir a lacuna existente na legislação sobre o tema. Há julgados recentes reconhecendo uma série de direitos em prol de homossexuais, dentre eles, o reconhecimento da união homoafetiva como verdadeira “entidade familiar”.

Vejamos o ensinamento de uma das mais expoentes jurista brasileira em matéria de Direito de Família:

“A Constituição Federal ao outorgar proteção à família independentemente da celebração do casamento, vincou um novo conceito, o de entidade familiar, albergando vínculos afetivos outros. No entanto, é meramente exemplificativo o enunciado constitucional ao fazer referência expressa somente à união estável entre um homem e uma mulher e às relações de um dos ascendentes com sua prole. O Caput do artigo 226 é cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade...” (Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, 2004, 3ª ed. Editora RT, página 50).

A Constituição Federal estabelece :

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
................................................
III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
....................................................
IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Vê-se, portanto, que a Constituição não pode ser invocada para negar direitos a cidadão, principalmente aqueles inseridos justamente na sua Declaração de Princípios.

Podemos concluir que a liberdade quanto à orientação sexual tem fundamento na própria Constituição Federal.

A igualdade, sendo princípio constitucional, fundamento de todas as normas, se impõe sobre qualquer outro dispositivo que com ela não esteja em consonância.

DA JURISPRUDÊNCIA:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente à união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo. (4)

No mesmo sentido, temos:


EMENTA:UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR. (5)


Vale ressaltar a importância dessas decisões para o reconhecimento da União Homoafetiva, pois elas reconhecem a existência do requisito da possibilidade jurídica do pedido, ou seja, o Tribunal reconheceu que, mesmo ausente norma expressa sobre o tema no ordenamento, as leis vigentes nos dão meios para legitimar a união entre pessoas do mesmo sexo.

Cristian Fetter Mold disse...

Prezado Pablo, obrigado por sua participação. Concordo inteiramente com seus comentários. Afinal se o objetivo do legislador constitucional foi o de promover o bem de "todos", não cabe ao aplicador da lei excluir uns ou outros. Qualquer decisão neste sentido afronta nossa Carta Magna.