segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O golpe das monografias

Universitários conseguem diploma com a compra de trabalho de conclusão de curso. Irregularidade é crime de estelionato e de falsidade ideológica

O advogado Cássio tem 27 anos. Formou-se no ano passado numa faculdade particular de Brasília. E hoje disputa o mercado de trabalho com o diploma igual ao de milhares de outros colegas. O documento dele, no entanto, esconde um negócio lucrativo e criminoso em crescimento na capital do país: o da fraude das monografias. Cássio desembolsou R$ 700 para que uma outra pessoa estudasse, redigisse e concluísse o projeto de final de curso por ele. Pagou para que alguém garantisse o compromisso assumido pelo universitário no início do curso de graduação. Transformou-se, assim, num estelionatário, crime previsto no Código Penal, com pena de até cinco anos de reclusão.

Assim como o advogado, estudantes tentam aplicar o golpe nas principais instituições brasilienses há pelo menos seis anos. A falcatrua não respeita entidades particulares e nem mesmo a Universidade de Brasília (UnB). Tornou-se comum ao fim de cada semestre. Existem inclusive "empresas especializadas" na produção de teses e dissertações de graduação, pós-graduação e especializações. A maioria distribui cartazes em faculdades e pré-vestibulares e usam termos como "elaborar" ou "digitar" para mascarar a fraude.

Numa das ligações feitas pelo jornal para uma dessas "empresas", o responsável pela produção paralela detalhou a execução de um projeto final pago. Admitiu a um suposto estudante de turismo um trabalho de "pesquisa" ao lado de outros três colegas. E narrou ao falso universitário os passos até o orientador. Ao fim da conversa, sugeriu sucessos anteriores com alunos de quatro instituições de Brasília e outras de Goiás, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.

Uma das faculdades citadas foi o Centro Universitário do Distrito Federal (Unidf), na 704/904 Sul. A coordenadora de pós-graduação do Unidf, Ana Maria Schiavinato, reconhece as tentativas de fraude. Segundo ela, são feitos em média de 10 a 15 flagrantes por semestre. Os professores descobrem o golpe não só pelas características de escrever do aluno. Mas também pelo plágio. "Já peguei estudante com cópia de tese do UniCeub. Ele descobriu que somos rigorosos na correção e nas punições", afirmou.

Segundo a professora, todos os suspeitos de fraude sofrem investigação interna. Nem mesmo imaginam que o trabalho passa por avaliação especial dos orientadores ao longo da produção. Na Unidf, o universitário flagrado é reprovado e responde a processo por direito autoral. "Não temos como acusar um terceiro, mas o estudante que assumiu o compromisso com a gente e usa, quem sabe, textos de internet na monografia é punido. Já fiz alunos cursarem mais cinco semestres por causa disso", afirmou.

Intermediário

Nem mesmo estudantes de universidades federais escapam do assédio das "empresas especializadas no serviço". Os murais de alguns prédios da UnB estão repletos de anúncios de elaboração, digitação, tradução e montagem de trabalhos de fim de curso. O Correio ouviu quatro deles. Dois afirmaram se limitar a serviços de digitação. Mas os demais admitiram receber dinheiro para fazer monografias. Um deles chamou de "produção em parceria". E que cobrava até R$ 0,40 por página entregue ao universitário.

A prefeitura da UnB informou por meio da assessoria de imprensa que o mural sofre controle periódico. E que funcionários dos serviços gerais estão orientados a retirar os cartazes indesejados. A coordenadora-geral da Graduação da UnB, Nilce Santos de Melo, disse que a instituição condena qualquer tipo de manobra usada na conclusão dos cursos. Apesar de desconhecer a compra de projetos, a professora afirma que as análises das teses passam por correções rigorosas.

De acordo com Nilce, o orientador tem papel fundamental na identificação de possíveis fraudes. "É ele quem conhece os textos indicados nas bibliografias e o estilo do aluno. Quem é da UnB sabe que primamos pela criatividade e a produção própria", defendeu. As punições previstas pela universidade vão desde advertência e reprovação até expulsão. Há cinco anos, um professor do departamento de Relações Internacionais da UnB reprovou 11 alunos de uma especialização. Alguns plagiaram os trabalhos com discursos de um senador e de um secretário de Transportes de São Paulo. Eles recorreram à decisão na Justiça e perderam a causa.

Falsidade ideológica

A fraude das monografias é considerada uma atividade criminosa no Distrito Federal. A titular da Delegacia de Falsificações e Defraudações (DEF), delegada Vera Lúcia da Silva, entende que os envolvidos no processo de produção de teses podem ser acusados por falsidade ideológica e, dependendo do caso, até estelionato. Isso vale tanto para o universitário que paga pela monografia quanto ao responsável pela produção do trabalho. "O produtor do projeto pode ser encaixado numa co-autoria, pois também ajudou a fraudar uma instituição", avaliou.

Os dois crimes tipificados pelo Código Penal prevêem punições de até cinco anos de reclusão. Segundo a delegada, as fraudes universitárias exigem denúncias das vítimas para que a polícia inicie uma investigação. O Ministério da Educação informou, por meio da assessoria de imprensa, que a falcatrua é caso de polícia. Acrescentou que repassa possíveis denúncias ao Ministério Público e à Polícia Civil, apesar não ter feito nenhuma recentemente.

Compromisso de pesquisa

O professor de Direito Autoral da UnB Carlos Mathias classifica as falcatruas como "estelionato pedagógico". Para ele, quem recebe dinheiro para escrever tese ou dissertação para outra pessoa não deve ser confundido com a figura do ghost-writer (escritor fantasma, em português). "Na literatura, isso não é crime nem lesão de direito. Mas na academia o aluno assume um compromisso que exige pesquisa. Se fugir disso, está sendo desleal com a instituição. Receberá um diploma pela formação que não tem", afirmou. Mathias defende acompanhamento rigoroso dos orientadores durante a produção dos projetos finais.

O professor Harry Klein, responsável pelas Relações Institucionais do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), confirma a existência do golpe das monografias na capital. Mas disse que não tem como precisar o número de tentativas ocorridas na instituição da Asa Norte. No UniCeub, trabalho flagrado nem chega à banca examinadora.

Já o professor Glauco Lopes, diretor acadêmico da União Educacional de Brasília (Uneb), disse que existe uma coordenação específica para a correção de monografias. São grupos de professores orientados a checar minuciosamente os trabalhos finais dos universitários, principalmente se existem trechos retirados da internet. Segundo ele, casos de plágios são mais comuns do que compras de projetos. "O aluno é imediatamente reprovado sempre que isso ocorre. Já tivemos casos assim", admitiu Lopes.

(Fonte: Correio Braziliense, Guilherme Goulart, 28/3/2007)

7 comentários:

Leonardo Pinheiro disse...

Professor,
Esse texto é sem dúvida um bom início de discussão. Talvez não consiga enumerá-la de forma objetiva. Mas no meu ponto de partida tem a seguinte indagação: "Ao que se deve esse processo de descrédito à atividade acadêmica?" Será que é pelo fato de a própria instituição não realizar de maneira efetiva a ação fundamental, à vida acadêmica, que é o estímulo à pesquisa? Ou o Brasil não realiza de maneira eficiente o valor necessário à pesquisa e a inclusão dos pesquisadores no mercado de trabalho? Levando a entender que, esta segunda, faz do Brasil, a grossíssimo modo, um país de uma cultura de empreendedores muito criativos e pouco estudados?
Bem, não custa nada passar na Biblioteca Nacional e registrar a sua obra.
Abraco,
Leonardo Pinheiro.
3o A - Noturno- IESB.

Cristian Fetter Mold disse...

Prezado Leonardo, obrigado por sua participação. De fato, como você mesmo disse, as variáveis são tantas que neste curto espaço é difícil elencar todas e fazer o necessário cotejo entre elas.

Mas eu creio que a gênese do problema encontra-se no ensino fundamental e na formação que passamos para as gerações posteriores à nossa.

Apenas para citar um pequeno exemplo, tenho amigos com filhos pequenos que se vangloriam das horas e horas que os meninos passam em frente ao computador, não fazendo quase nada de útil, diga-se de passagem.

Será que esta "info-geração" de futuros estudantes terá a paciência (ou a ousadia) de entrar em uma biblioteca e realmente perder horas pesquisando e folheando livros ? ou é melhor simplesmente apertar um control C-control V ?

Claro que esta preguiça intelectual das novas gerações, aliada à falhas nas instituições de ensino e ainda aos problemas de "incentivo a pesquisa" são um coquetel perigoso e os resultados estão a olhos vistos.

Claro que também temos de ressaltar a má-fé de muitos estudantes que tem acesso a um estudo de qualidade e ainda assim, preferem o caminho fácil da fraude.

Mas o assunto é vasto. Não cabe nestes comentários. Tentarei obter mais dados a respeito.

Abraço. Cristian Fetter.

Cristian Fetter Mold disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Primeiramente, gostaria de salientar o quão fundamental é a discussão acerca do plágio acadêmico e da busca do conhecimento verdadeiro propiciado pela educação salutar.
Pode parecer anacrônico para quem não conhece a natureza de meu trabalho, mas tenho uma empresa de monografias que muito se distancia da equipe pronta para ensinar o aluno a plagiar e a falsificar seu trabalho nas instituições de ensino.
Pelo contrário, a fundamentalidade da minha equipe é propiciar uma pesquisa embasadora, um modelo ideal de conteúdo de pesquisa para que o aluno tenha um norte para a realização de sua própria monografia.
Primeiramente, gostaria de salientar que qualquer orçamento ou contato que nos chega com o sentido de publicação de nosso material já é sumariamente descartado, da mesma forma que, se durante o andamento da pesquisa monográfica nós detectamos que nosso cliente visa se servir de má-fé com nosso material perante sua instituição nós automaticamente cortamos todos os vínculos com o mesmo, sendo que já chegamos, em casos de renitência, a enviar o material entregue ao cliente à instituição do mesmo, obviamente sem identificar o aluno por questões jurídicas e ligadas aos direitos do consumidor, mas alertando para que ele não se beneficie fora dos limites legais de utilização do nosso material monográfico, que é sempre protegido, já que nunca liberamos os direitos para nenhum cliente, assim, salientamos desde o início que todo material é protegido pela Lei. 9610/98 e não toleramos nenhuma disposição contrária e serve somente como base fundamentadora para a realização de seus trabalhos.
Da mesma forma, investimos em um programa de travamento de trabalhos, de modo que não há a possibilidade de o aluno levar trechos de prévias para sua instituição.
Nós notamos que há uma enorme carência por parte dos alunos sobre a metodologia da pesquisa de um TCC ou uma monografia, sendo que os mesmos nem conseguem destacar quais seriam os pontos mais importantes de seu tema. Não conseguem diagramar sua bibliografia no sentido de usufruir da mesma da melhor forma. Não estão capacitados para a linguagem acadêmica, nem para o sistema de citações e de formatação.
Não recebem o apoio de seus orientadores, ainda mais com a massificação do ensino privado (e mesmo público em alguns casos), onde a figura do orientador como assessor exclusivo de alguns poucos alunos por semestre está em extinção, sendo substituído por um professor de metodologia que deverá (tentar) orientar mais de 50 monografias por semestre.
O desinteresse dos professores na orientação de seus alunos é, infelizmente, flagrante, já que é extremamente simples detectar o plágio acadêmico.
Já nos demos conta sobre, e ainda estamos estudando quais as melhores formas de proteger nossos materiais e os interesses das instituições de ensino, assim como da própria formação do aluno, a ampliação do fenômeno da educação à distância, onde o contato com o orientador é quase nulo e onde o risco do plágio acadêmico é ainda maior.
Amo pesquisar e escrever, na verdade, gosto muito do meu trabalho, tanto que, nestes anos, busco o aprimoramento de modelos de trabalho que se coadunem com a formação verdadeira dos alunos, sem nunca correr o risco de ser um intermediário para o plágio.
Acredite, perdemos muito dinheiro por tentarmos trabalhar com seriedade e dentro dos limites legais e impostos, acima de tudo, por nossa consciência, já que optamos pela insuperável sensação proporcionada pelo sono tranqüilo à conta bancária recheada que teríamos se buscássemos agir contra nossos princípios e contra a formação verdadeira dos alunos e clientes que nos procuram.
Mesmo com toda a preocupação em agirmos de maneira correta alguns poucos alunos se sentem indignados por não poderem agir contra a lei e contra suas instituições a partir de nossos materiais, e estes são justamente o único ponto negativo da minha prática diária, já que, nestes casos, chego mesmo a me alterar psicologicamente no sentido de barrar este cliente, que graças a Deus, é uma minoria. Justamente pelo fato de que a grande maioria de nossos clientes entende e agradece os limites impostos, sabemos que o que dá sentido ao nosso trabalho é justamente a desinformação e a falta de acesso dos alunos a orientadores capazes e interessados.

Cristian Fetter Mold disse...

Prezado Sr. Luiz Gustavo é um alento saber que algumas pessoas trabalham seriamente para coibir a prática de fraude nos TCC's. De minha parte posso dizer com segurança que as faculdades nas quais ministro minhas aulas, há um limite para o número máximo de alunos que podem ser orientados (geralmente dez alunos), e além disso, a maior parte dos professores tem por costume não aceitar trabalhos que não mencionem corretamente, ou omitem as fontes consultadas.

Penso que já é um bom começo, embora entenda que o problema do aluno muitas vezes é bem mais grave do que a mera prática de um plágio, ou seja, o plágio pode ocultar defeitos de caráter bem mais sérios.

Obrigado por sua distinta participação neste blog.

Fernanda disse...

Bom dia professor,
Li seu blog e gostaria de tirar uma dúvid, se possivel
Estou fazendo meu TCC, mas devido a mudanças de faculdade fui prejudicada na parte de metodologia.
Encontrei uma empresa que dizia oferecer orientação e contratei seus serviços, no meu primeiro contato deixei bem claro: "Eu quero fazer meu trabalho, só quero que me ensine como." Daí então a pessoa responsavel me deu orientações bem básicas, do tipo qual a quantidade de capitulos e qntas citações deveria ter.
Comecei a desconfiar que não era sério quando ela disse, vou fazer um capitulo e mandar pra vc ver como é, enquanto isso eu ia escrevendo e mandando pra ela ver se o que eu escrevia tava bom.
Ela me mandou um capitulo, totalmente plageado, de qq forma eu nao usaria o q ela escreveu porque eu estou fazendo e quero fazer meu trabalho, só queria ser orientada.
Vendo isso pedi a ela que cancelasse a minha orientação e devolvesse o valor pago, por que desconfiei que o que ela fazia era golpe, nao era certo ela me cobrar por algo errado q ela tava fazendo e que a orientação dela nao era séria.
Agora, a pessoa esta me ameçando dizendo que vai ate minha faculdade se eu nao continuar sendo "orientada" por ela. Agora, quero continuar meu trabalho. Tudo que fiz foi fruto apenas da minha pesquisa, mas estou preocupada. Ela pode me coagir assim? Pode me ameaçar dessa forma?
Pode me acusar de plagio, ou outra fraude, se estou escrevendo com minhas proprias maos?
Tudo que queria era orientação metodologica, ja que nao tive uma boa formaçao nessa cadeira.
O que posso fazer?

Cristian Fetter Mold disse...

Cara Fernanda, não posso utilizar este blog para responder a consultas desta natureza. Porém, peço que me mande um email para cristianfetter@gmail.com e conversamos reservadamente sobre o assunto.