Agora, a partir deste ano, sabedor que o estudo da ciência do Direito não se esgota em livros puramente jurídicos, pretendo, de quando em quando, trazer aos leitores deste blog conexões literárias e musicais com o estudo do Direito.
Hoje, trago um trecho do clássico "Malagueta, Perus e Bacanaço", de João Antônio, onde o autor narra a conturbada relação entre o malandro, jogador de sinuca Bacanaço e a sua "mina nova":
"Bacanaço andava agora com uma mina nova, vinte anos. Morena ou ruiva não se sabia, que ficava loira de cabelos oxigenados, porque o mulato preferia loiras. Fazia a vida num puteiro da Rua das Palmeiras, tinha seu nome de guerra - Marli. A mina lhe dava uma diária exigida de mil, mil e quinhentos cruzeiros, que o malandro esbagaçava todos os dias nas vaidades do vestir e do calçar, no jogo e em outras virações. Quando lhe trazia menos dinheiro, Bacanaço a surrava, naturalmente, como fazem os rufiões. Tapas, pontapés, coisas leves. Apenas no natural de um cacete bem dado para que houvesse respeito, para não andar com bobice na cabeça e para que não se esquecesse preguiçando na rua, ou bebericando nos botecos, ou indo a cinemas, em vez de trabalhar. Obrigação sua era ganhar - para não acostumá-la mal, Bacanaço batia-lhe. Nas surras habituais, o porteiro da pensão da Lapa surgia, assustado. Bacanaço o encarava.
- Olhe camarada: entre marido e mulher, ninguém bote a colher.
E se o homem perguntava, solícito:
- O seu negócio deve ser cuidar de sua vida - e abria os braços -, ou é cuidar da minha?
O tipo se ia, cabisbaixo, desenxabido, para o mesmo lugar donde viera.
Se a desobediência se repetia, o cacete se dobrava. Bacanaço se atilava em crueldades mais duras. Para começo a trancafiava no quarto e partia para a rua, onde se demorava horas. Ia à sinuca, ia andar a fim de pensar bem pensado; a mulher que lá ficasse aguentando fome e vontades. Voltava tarde, bebido e abespinhado, usava o cabo de aço e agia como se Marli fosse um homem. Proibia-a de gritar. Malhava aquele corpo contra as paredes, dava-lhe nos rins, nos nós e nas pontas dos dedos. Encostava-lhe o cigarro aceso nos seios. Às vezes, Marli urinava.
Na outra noite a mulher seguia para o bordel, dolorida, pisada. Na cama, os fregueses costumavam perguntar o que eram aquelas marcas pretas no corpo.
- É o amor - e olhava para o teto: - Vamos logo."
João Antônio Ferreira Filho, nasceu em São Paulo em 1937 e morreu no Rio de Janeiro em 1996. Seu romance de estréia, "Malagueta, Perus e Bacanaço", escrito em 1963, ganhou vários prêmios, inclusive dois prêmios Jabuti (revelação de autor e melhor livro de contos). Leia mais AQUI
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