Ação militar praticada em período de guerra constitui ato de império; não se submete, portanto, ao Poder Judiciário nacional. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar provimento ao recurso especial por meio do qual descendentes de vítima de barco afundado por alemães em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, durante a Segunda Guerra Mundial pretendiam obter reparação pela agressão bélica sofrida por uma embarcação brasileira nas águas territoriais do Brasil
Cinco netos e um genro de Apúlio Vieira de Aguiar entraram na Justiça, com uma ação de indenização por danos morais e materiais contra a República Federal da Alemanha, pela morte do avô e sogro, ocorrida em julho de 1943. Segundo consta do pedido, o barco de pesca em que estava a vítima, Changri-lá, teria sido afundado por um submarino de guerra alemão (U-199) que patrulhava a costa brasileira, mais precisamente o litoral de Cabo Frio – RJ.
De acordo com o processo, mais de 20 navios teriam sido torpedeados pelos alemães, sendo certo que nunca foram encontrados corpos ou restos mortais da vítima ou das demais pessoas que estavam no barco, mas apenas destroços que chegaram à praia, com sinais de explosão, levando à conclusão de que ele teria sido mesmo abatido por um dos vasos de guerra alemães. Posteriormente, o submarino foi abatido pela Marinha de Guerra brasileira e os sobreviventes (prisioneiros) resgatados e encaminhados aos Estados Unidos, onde teriam confessado o afundamento do barco em que se encontrava a vítima.
Em fevereiro de 1944, o Tribunal Marítimo arquivou o caso, concluindo pela ausência de provas de que o Changri-lá fora abatido por submarino de guerra alemão. Quase seis décadas depois, em 31 de julho de 2001, o Tribunal Marítimo, a pedido da Procuradoria da Marinha, reabriu o processo após tomar conhecimento de documentos que comprovariam o naufrágio do Changri-lá provocado pelo submarino de guerra alemão.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, pois, ao ser acionada, a embaixada alemã no Brasil afirmou que são inválidas e ineficazes as citações recebidas referentes às ações de ressarcimento de danos contra a República Federal da Alemanha. “As presentes citações dizem respeito a uma ação de soberania do Estado alemão. O Brasil não possui jurisdição sobre os atos de império (acta iure imperii) praticados por outros países. O encaminhamento de tais citações é, portanto, indevido”, afirmou o documento.
Em apelação, a defesa dos netos e do genro afirmou não ter havido declaração expressa da ré acerca de sua imunidade, que não pode ser tácita. Ainda segundo o advogado, ainda que se aplicasse a imunidade de jurisdição, não é ela incidente no caso, pois os fatos ocorridos no território do Estado do foro violam direitos humanos e são pobres os autores, não podendo exercer o direito de ação no estrangeiro. Os autos foram encaminhados ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região e, em seguida, remetidos ao STJ sob a forma de recurso ordinário, em obediência à regra expressa do artigo 105, II, letra "c", da Constituição Federal.
Após examinar o pedido, o ministro Fernando Gonçalves, relator do caso, votou, negando provimento. “A imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção à guisa da pobreza dos autores ou porque os fatos ocorreram no território nacional ou ainda porque se trata de direitos humanos. O respeito à soberania do Estado estrangeiro é um preceito maior e anterior a essas questões. Curvar um Estado à soberania de um outro só por renúncia, por guerra ou por acordo ou tratado bilateral”, justificou o ministro. A Turma concordou por unanimidade.
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