domingo, 16 de agosto de 2009

Direito e Literatura - Victor Hugo

Victor Hugo (1802-1885) é considerado um dos maiores escritores da França. Seu livro "O Último Dia de um Condenado à Morte" retrata a angustiante espera de um homem que está para ser privado de sua vida e suas impressões sobre as autoridades e as pessoas que o cercam durante suas horas finais. Este verdadeiro libelo contra a pena capital foi escrito quando o autor tinha apenas 27 anos, mas demonstra uma incrível maturidade literária e a coragem de posicionar-se de forma definitiva em defesa dos direitos inalienáveis do homem.
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Eis um trecho:
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"Acabei de fazer meu testamento. Para que ? Estou condenado às custas e tudo que o tenho será apenas suficiente. A guilhotina é coisa muito cara. Deixo uma mãe, deixo uma mulher, deixo uma criança. Uma menininha de três anos, doce, rosada, frágil, com grandes olhos pretos e um cabelo castanho comprido. Tinha dois anos e um mês quando a vi pela última vez. Assim, depois da minha morte, três mulheres sem filho, sem marido, sem pai; três órfãs de diferente espécie; três viúvas por causa da lei. Admito ser punido justamente; mas essas inocentes o que fizeram? Pouco importa, serão desonradas, arruinadas. É a Justiça. Não é que eu esteja preocupado com minha velha mãe; já tem sessenta e quatro anos, vai morrer com o golpe. Ou então, se ela viver mais alguns dias, desde que ela tenha um pouco de cinzas quentes no seu calefator, não se queixará. Minha mulher também não me preocupa; já está ruim de saúde e fraca de espírito. Morrerá também. A não ser que enlouqueça. Dizem que ajuda a viver; mas pelo menos a inteligência não sofre; fica dormindo, como se fosse morta. Mas a minha filha, minha criancinha, minha pequenina Marie que a esta hora está rindo, brincando e não está pensando em nada, esta sim me dói.
(...)
Dizem que não é nada, que não se sente dor, que é um fim suave, que a morte assim é bastante simplificada. Ei! E esta agonia de seis semanas e este estertor de um dia inteiro? O que á a angústia deste dia irreparável, que passa tão devagar e tão rápido? O que é esta escada de torturas que acaba no cadafalso? Aparentemente isto não é sofrer. Por acaso as convulsões não são as mesmas, se o sangue se esgota aos poucos ou se a inteligência vai se apagando aos poucos a cada pensamento? E além do mais, eles têm certeza que não se sofre? Quem disse isso? Será que alguém já contou que uma cabeça ergueu-se, ensanguentada, na beira do cesto para gritar ao povo: Não dói ! Será que alguém que eles mataram desta maneira voltou para agradecer e dizer-lhes: Boa invenção. Nada a modificar. A mecânica é boa. Será Robespierre? Será Luís XVI?... Não, nada! Menos de um minuto, menos de um segundo, e a coisa está feita. Será que eles alguma vez se colocaram, em pensamento apenas, no lugar daquele que está ali está, no momento em que a pesada lâmina que cai morde a carne, rompe os nervos, quebra as vértebras... Mas o quê! Meio segundo! A dor é escamoteada... Horror!

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