terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Teoria do "Desvio Produtivo do Consumidor" é reconhecida por sentença que condenou faculdade por oferecer curso defasado de Pós Graduação

 

O Site Migalhas noticiou hoje sobre sentença proferida condenando a Faculdade Anhanguera a indenizar uma aluna, por não disponibilizar as atualizações legislativas em curso de pós-graduação contratado. Na decisão, oriunda da 2ª vara Cível de Brasília/DF, O Juiz entendeu que houve vício no serviço prestado.

 

Na sentença, o Magistrado afirmou que o "fundamento fático no qual se ancora a pretensão indenizatória é a falha na prestação do serviço acima já analisado."

 

Acresceu que "a parte teve de despender tempo estudando o conteúdo desatualizado, já que as provas e avaliações virtuais eram elaboradas conforme o material disponibilizado(...) Vejo, ainda, que mesmo diante das iniciativas da parte para obter acesso às atualizações, houve desídia da requerida, com evasivas de que “está em processo de disponibilização” e “ os materiais adicionais serão acrescentados ou substituídos, conforme necessidade”. 

 

Aplicou no caso, por conseguinte, a "(...) teoria do desvio produtivo do consumidor ou da perda do tempo livre ou ainda da perda do tempo útil, despontado na jurisprudência nos casos em que a busca por solução de problema, não provocado pelo consumidor, represente verdadeiro calvário; ou quando os procedimentos para solução destes problemas privem tempo relevante do consumidor (...)"


Esta Teoria, segundo várias fontes, foi introduzida no Brasil a partir do trabalho do advogado capixaba Marcos Dessaune, o qual em seu site, afirma que tal Teoria  está transformando a antiga jurisprudência brasileira do “mero aborrecimento”, ao sustentar que o consumidor, ao desperdiçar o seu tempo vital e se desviar das suas atividades existenciais para enfrentar problemas de consumo que não criou, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável in re ipsa

A Teoria afirma ainda que, "nos eventos de desvio produtivo, o consumidor também pode sofrer danos materiais, que são ressarcíveis em face de sua comprovação. A Teoria conclui que está equivocada a jurisprudência que sustenta que a via crucis percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos próprios fornecedores, representa “mero dissabor ou aborrecimento”. Afinal, nos eventos danosos de desvio produtivo, os bens ou interesses jurídicos lesados são o tempo vital e as atividades existenciais do consumidor (trabalho, estudo, descanso, lazer, convívio social, etc.), e não a sua integridade psicofísica."

 

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já possui alguns exemplos de aplicação do novo instituto, como no recente Acórdão 1308529 , em que o defeito de fábrica de um veículo, o qual provocou acidente, fez ainda com que o Consumidor ficasse 16 meses sem o carro (Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª T. Cív., DJE: 21/1/2021).

 

O Superior Tribunal de Justiça também já menciona a Teoria em alguns acórdãos, como destaca esta matéria de 2018, com destaque para a fala do Ministro Marco Aurélio Bellizze: 

“Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei", diz o ministro Marco Aurélio Bellizze.

"Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar”, votou Bellize, em decisão monocrática.

 

Por fim, de bom tom frisar que nem tudo é "desvio produtivo" e nem sempre é possível comprová-lo, de acordo com julgados oriundos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: 



Ementa: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS. POSTERIOR CANCELAMENTO. RETENÇÃO ABUSIVA DE VALORES. RECURSO ADSTRITO AO RECONHECIMENTO DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES DO DANO MORAL. AUSENTE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. DANO MORAL INOCORRENTE. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE REQUISITO ESSENCIAL. - Cuida-se de ação por meio da qual reclama a parte autora a condenação da parte ré a lhe restituir a integralidade dos valores que pagou por passagem aérea, canceladas poucos dias após a compra pela internet, bem como indenização por dano moral. - A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, dela recorrendo a parte autora, exclusivamente quanto ao dano moral. - Pois bem. O caso dos autos não trata de dano moral in re ipsa e, ainda que se reconheça que a parte autora enfrentou aborrecimento diante dos fatos narrados na inicial, certo é que a situação não ultrapassa os incômodos inerentes à vida em sociedade e, dessa forma, não passíveis de indenização por dano à esfera pessoal. - Ressalte-se que a parte autora não demonstrou ter sofrido alguma lesão a direito de personalidade ou à dignidade humana, ou mesmo situação que tenha causado angústia, sofrimento ou abalo moral, a ponto de causar desequilíbrio emocional por fato imputável à parte ré, razão pela qual não prospera o pleito de reparação por danos morais. - Em relação ao pedido de aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, no caso, não assiste razão aos recorrentes, na medida em que não demonstraram, ainda que minimamente, essa privação de tempo. Ou seja, não trouxeram aos autos qualquer prova do alegado tempo gasto para a solução do impasse na esfera administrativa, que pudesse dar ensejo ao ressarcimento indenizatório pelo desvio produtivo. - Sentença de parcial procedência mantida, a teor do art. 46 da Lei 9.099/95. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009471525, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 25-11-2020)

 

 

Ementa: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TELEFONIA. ORIGEM E REGULARIDADE DO DÉBITO NÃO COMPROVADAS. ÔNUS DA DEMANDADA. DÉBITO DESCONSTITUÍDO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NEGATIVA. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. OFENSA A ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE DA AUTORA INDEMONSTRADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009467804, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 25-11-2020)


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