Recentes
decisões proferidas pelo STJ mostram que vem sendo firmada
jurisprudência sobre a mudança de registro civil. A corte considera que o
nome é mais que acessório ou simples denominação, sendo de extrema
relevância na vida social, por ser parte intrínseca da personalidade.
Em recente julgado na área do Direito de Família (REsp 910.094),
a 4ª turma decidiu que é possível acrescentar o sobrenome do cônjuge ao
nome civil durante o período de convivência do casal. De acordo com o
colegiado, a opção dada pela legislação, de incluir o sobrenome do
cônjuge, não pode ser limitada à data do casamento, podendo perdurar
durante o vínculo conjugal.
Em outro caso, no REsp 538.187,
em que o prenome causava constrangimento a uma mulher, a 3ª turma
autorizou a sua mudança de "Maria Raimunda" para "Maria Isabela". Para a
relatora, ministra Nancy Andrighi, não se tratava de mero capricho, mas
de "necessidade psicológica profunda", além da recorrente já ser conhecida em seu meio social como Maria Isabela.
Apesar de, no
Direito brasileiro, a regra predominante ser a da imutabilidade do nome
civil, a mudança é possível diante vontade do titular no primeiro ano
seguinte ao da maioridade civil, ou por decisão judicial que reconheça
motivo justificável para a alteração, além de substituição do prenome
por apelido notório, substituição do prenome de testemunha de crime,
adição ao nome do sobrenome do cônjuge e adoção.
A 3ª turma do STJ definiu, no REsp 1.256.074,
que uma pessoa pode mudar o seu nome, desde que respeite a sua estirpe
familiar, mantendo os sobrenomes da mãe e do pai. Os ministros
entenderam que, mesmo que vigore o princípio geral da imutabilidade do
registro civil, a jurisprudência tem apresentado interpretação mais
ampla, permitindo, em casos excepcionais, o abrandamento da regra.
No caso, a
decisão permitiu que uma menor, representada pelo pai, alterasse o
registro de nascimento. Ela queria retirar de seu nome a partícula "de" e
acrescentar mais um sobrenome da mãe (patronímico materno). Para o
relator da questão, ministro Massami Uyeda, afirmou que há liberdade na
formação dos nomes, porém a alteração deve preservar os apelidos de
família, situação que ocorre no caso.
Homenagem aos
pais de criação também já foi motivo de pedido de retificação dos
assentos constantes do registro civil de nascimento de uma mulher. Em
seu recurso, ela alegou que, não obstante ser filha biológica de um
casal, viveu desde os primeiros dias de vida em companhia de outro
casal, que considera como seus pais verdadeiros. Assim, desejando
prestar-lhes homenagem, pediu o acréscimo de sobrenomes após a
maioridade. A 3ª turma autorizou a alteração, ao entendimento de que a
simples incorporação, na forma pretendida pela mulher, não alterava o
nome de família (REsp 605.708).
O mesmo colegiado
entendeu, em outro julgamento, que não é possível alterar ou retificar
registro civil em decorrência de adoção da religião judaica. No caso, a
esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa natural alegando que, ao
casar, optou por acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Este, por
sua vez, converteu-se ao judaísmo após o casamento, religião que é
praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp 1.189.158).
O casal sustentou
que o sobrenome do marido não identificava a família perante a
comunidade judaica, razão pela qual pediram a supressão do sobrenome do
esposo e sua substituição pelo da mulher. Em seu voto, a relatora,
ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais compreensíveis que sejam
os fundamentos de ordem religiosa, é preciso considerar que o fato de a
família adotar a religião judaica não necessariamente significa que os
filhos menores seguirão tais preceitos durante toda a vida.
A Corte Especial
do STJ também já enfrentou a questão. No caso, um cidadão brasileiro,
naturalizado americano, pediu a homologação de sentença estrangeira que
mudou seu sobrenome de Moreira de Souza para Moreira Braflat. Ele alegou
que, nos Estados Unidos, as pessoas são identificadas pelo sobrenome e
que, por ser o sobrenome Souza muito comum, equívocos em relação à
identificação de sua pessoa eram quase diários, causando-lhe os mais
diversos inconvenientes (SEC 3.999).
Para o relator,
ministro João Otávio de Noronha, é inviável a alteração de sobrenome
quando se tratar de hipótese não prevista na legislação brasileira. "O
artigo 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em hipóteses
excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a exclusão do
sobrenome", afirmou o ministro.
Vínculo socioafetivo
Se a intenção é
atender ao melhor interesse da criança, a filiação socioafetiva
predomina sobre o vínculo biológico. O entendimento foi aplicado pela 3ª
turma do STJ, que decidiu que o registro civil de uma menina deveria
permanecer com o nome do pai afetivo (REsp 1.259.460).
No caso, o embate
entre pai biológico e pai de criação já durava sete anos. A criança,
nascida da relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde,
entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e
declaração de paternidade, foi registrada pelo marido da genitora, que
acreditava ser o pai biológico. Nem o exame de DNA, que apontou
resultado diverso, o fez desistir da paternidade.
A relatora do
caso, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a ilegitimidade do pai
biológico para propor a ação. Segundo ela, o Código Civil atribui ao
marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de
filiação. Entretanto, a ministra ressaltou que, no futuro, ao atingir a
maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro,
se quiser.
A 4ª turma do
STJ, também levando em consideração a questão socioafetiva, não permitiu
a anulação de registro de nascimento sob a alegação de falsidade
ideológica. O relator, ministro João Otávio de Noronha, ressaltou que
reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que, mesmo sabendo
não ser o pai biológico, admite como seu filho de sua companheira, é
totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento (REsp 709.608).
No caso, diante
do falecimento do pai registral e da habilitação do filho da companheira
na qualidade de herdeiro em processo de inventário, a inventariante e a
filha legítima do falecido ingressaram com ação negativa de
paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação
de falsidade ideológica.
"É possível
afirmar que a mera paternidade biológica não tem a capacidade de se
impor, quando ausentes os elementos imateriais que efetivamente
demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai
ou mãe. Mais do que isso, como também nas relações familiares o
meta-princípio da boa-fé objetiva deve ser observado, a coerência
comportamental é padrão para aferir a correção de atos comissivos e
omissivos praticados dentro do contexto familiar", afirmou o ministro.
Em outro
julgamento, a 3ª turma negou o pedido de anulação de registro civil,
formulado sob a alegação de que o reconhecimento da paternidade deu-se
por erro essencial. No caso, o pai propôs a ação com o objetivo de
desconstituir o vínculo de paternidade com filho, uma vez que o seu
reconhecimento se deu diante da pressão psicológica exercida pela mãe do
então menor.
Após o exame de DNA, ficou comprovado não ser ele o pai
biológico (REsp 1.078.285).
Na contestação, o
filho sustentou que o vínculo afetivo, baseado no suporte emocional,
financeiro e educacional a ele conferido, estabelecido em data há muito
anterior ao próprio registro, deve prevalecer sobre o vínculo biológico.
Refutou, também, a alegação de erro essencial, na medida em que levou
aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação, não havendo falar em
pressão psicológica exercida por sua mãe.
Para o relator do
processo, ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo biológico entre
o pai registral e o filho registrado, por si só, não tem o condão de
taxar de nulidade a filiação constante no registro civil, principalmente
se existente, entre aqueles, liame de afetividade.
Mudança de sexo
O transexual que
tenha se submetido à cirurgia de mudança de sexo pode trocar nome e
gênero em registro sem que conste anotação no documento. A decisão,
inédita, foi da 3ª turma, em outubro de 2009. O colegiado determinou,
ainda, que o registro de que a designação do sexo foi alterada
judicialmente conste apenas nos livros cartorários, sem constar essa
informação na certidão (REsp 1.008.398).
A relatora do
recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre
alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa
a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em 2007,
o colegiado analisou caso semelhante e concordou com a mudança desde
que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil (REsp 678.933).
A ministra
destacou que, atualmente, a ciência não considera apenas o fato
biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos
identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e
familiares. Por isso, "a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo aparente", ponderou. Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar juridicamente a realidade dessas pessoas.
Não é raro
encontrar outras decisões iguais, posteriores a do STJ, na justiça
paulista, por exemplo. Em maio de 2010, a 2ª vara da comarca de
Dracena/SP também foi favorável à alteração de nome e gênero em registro
para transexuais. Para o juiz do caso, estava inserido no conceito de
personalidade o status sexual do indivíduo, que não se resume a suas
características biológicas, mas também a desejos, vontades e
representações psíquicas. Ele também determinou que a alteração não
constasse no registro.
FONTE: Portal Migalhas
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