Durante este ano, uma notícia que agitou as aulas de Direito de Família veio da cidade de Recife, com o nascimento dos gêmeos Antônio e Vítor, gerados no útero da Sra. Rosinete, avó dos meninos, fecundada artificialmente por espermatozóides de seu genro.
O caso gerou uma série de indagações principalmente por não existir no Brasil legislação a respeito. Um projeto de lei datado de 1999 jamais foi votado e a única fonte norteadora disponível é a famosa Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, cujo texto integral pode ser lido
AQUIA leitura do texto é crucial pois a maioria da imprensa simplesmente ignorou ou interpretou mal o texto, como pode se ver, por exemplo, na reportagem da Revista Época, que pode ser acessada
AQUI .
Um dos erros mais comuns está em dizer que a doadora do útero deve, simplesmente
, pertencer à família da mãe biológica. Esta informação apareceu em várias reportagens.
Porém, a informação está incompleta e oculta um dado essencial. Conforme a Norma Ética VII, o parentesco entre a doadora de útero e a mãe biológica deve ser até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
O problema desta norma ética é que não fica claro se o Conselho Federal refere-se ao parentesco na linha reta, na linha colateral ou em ambas as linhas.
Se considerarmos que a norma ética refere-se à linha reta, viabiliza-se o fato ocorrido em Recife, pois a avó dos meninos é parente na linha reta da mãe biológica, em primeiro grau. Porém tal intepretação criaria a hipótese de a mãe biológica recorrer a sua avó, para dar a luz aos seus próprios bisnetos, situação que nos parece um tanto estranha e improvável.
Parece que a melhor intepretação do dispositivo seria levar em consideração somente a linha de parentesco transversal ou colateral. Assim, somente uma irmã poderia doar temporariamente o útero para outra que não pudesse gerar filhos.
Curiosamente não existe uma definição legal ou jurisprudencial sobre o assunto e a ampla cobertura dada pela imprensa nacional e internacional (que de uma maneira geral "romantizou" o fato) poderá gerar outros comportamentos semelhantes.
Além do mais, a interpretação vulgar dos termos ligados ao parentesco pode gerar absurdos jurídicos, como este trecho do Projeto de Lei Nº 2655, DE 2001, de autoria da Deputada Estadual Heloneida Studart, do Rio de Janeiro:
"Art. 6º. - Para o tratamento de mulheres sem o útero ou que possuam anomalia que impeça a gestação, será permitido indicar parente até o segundo grau
(mãe, irmã, prima), respeitando-se as normas do Conselho Federal de Medicina para a utilização temporária de útero alheio."
A inclusão da mãe entre parênteses dá-se pela leitura ampla do contido na Norma Ética do Conselho Federal de Medicina e, portanto, peca por não incluir no rol as avós.
Já a colocação da "prima" entre a lista de parentes até segundo grau, no Projeto da deputada fluminense, ocorre certamente pelo vício de se chamar os primos-irmãos, erroneamente de "primos primeiros" ou "primos em primeiro grau", quando é sabido que por lei estes primos são parentes colaterais de quarto grau.
Enfim, opino no sentido de interpretar restritivamente a norma ética do Conselho Federal de Medicina para que a mulher que não possa gerar filhos somente possa utilizar-se do útero de uma irmã. Jamais de mãe ou avó, pois isto quebra uma ordem de gerações que creio deva ser observada.
Obviamente uma nova norma esclarecedora oriunda do Conselho, poderia evitar a dubiedade reinante, levando os Conselhos Regionais a aplicação correta das normas éticas sobre Reprodução Assistida.
Destaque-se, por oportuno, que no caso dos gêmeos recifenses, o Conselho Regional de Pernambuco foi consultado e recomendou que não se fizesse a inseminação da avó dos meninos, algo que a imprensa em geral não ressaltou.
A aprovação do Projeto de Lei, então, seria excelente, no sentido de harmonizar este importante assunto. A imprensa tem noticiado aqui e ali hipóteses semelhantes. Há até um caso narrado de empréstimo de útero entre cunhadas. Enquanto isso, ninguém fala a respeito da nobilíssima opção de um processo de adoção, algo que resolve não só o problema da mulher que não pode ter filhos, mas também das crianças (já nascidas) que não têm mãe.