IBDFAM manifesta discordância quanto à abordagem pela imprensa sobre a aprovação do Estatuto das Famílias
Em comunicado oficial divulgado esta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM manifesta discordância quanto à abordagem pela imprensa sobre a aprovação do Estatuto das Famílias (PL 674/2007). Leia, abaixo, o inteiro teor da Nota Oficial:
Estatuto das Famílias: da ética à responsabilidade
Tendo em vista algumas informações da mídia escrita e televisiva em relação ao Projeto de Lei 674/2007, que dispõe sobre o Estatuto das Famílias, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) vem prestar os seguintes esclarecimentos:
1 - É incorreta a informação de que o projeto prevê pagamento de pensão à amante. O § 1º do art. 61 (“A união formada em desacordo aos impedimentos legais não exclui os deveres de assistência e a partilha de bens;”) não pode ser interpretado isoladamente, pois relaciona-se às hipóteses de impedimentos à constituição de união estável entre homem e mulher, expressamente ditos na cabeça do artigo: parentes em linha reta (ex.: pais e filhos), parentes colaterais até o terceiro grau (ex.: irmãos; tios e sobrinhos) e parentes afins em linha reta (ex.: padrasto e enteada).
2 - Não há impedimento para que pessoas casadas constituam união estável, desde que separados de fato. Assim, por extensão, o § 1º pode ser interpretado como, ao contrário de conferir direito à amante, regra de responsabilização de quem constitui uniões paralelas ao casamento de forma pública, contínua e por longos anos, às vezes com filhos, e quando, ao fim da união, a mulher não tenha mais condições de ingressar no mercado de trabalho. Esta é uma realidade que existe e o Estado não pode se omitir, livrando quem assim age de suas responsabilidades, sem prejuízo da família de origem. O Poder Judiciário já vem reconhecendo tais consequências jurídicas, a exemplo das decisões abaixo:
“(...) Interpretação do Código Civil de 2002 com eticidade, socialidade e operabilidade, como ensina Miguel Reale. Reconhecimento de efeitos a união estável paralela ao casamento de papel, como medida que visa evitar o enriquecimento ilícito. Deram parcial provimento.” (TJRS, Apelação Cível nº 70014248603, Rel. Des. Rui Portanova, j. 27/04/2006)
“(...) Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro. Deram provimento parcial.” (TJMG, Apelação Cível nº 1.0017.05.016882-6/003, Rela. Desa. Maria Elza, public. 10/12/2008)
“(...) O fato de manter dupla união não se constitui num Bill de indenidade àquele que age de forma a manter um dos companheiros na ignorância de sua atitude. Partilha dos bens adquiridos na constância da relação. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP, Apelação Cível nº 646037.4/4-00, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 16/12/2009)
“(...) Consoante disposto no art. 16, inciso I e § 4º, da Lei nº 8.213/91, tanto a ex-cônjuge virago, quanto atual companheira, podem possuir, simultaneamente, dependência econômica presumida em relação ao falecido. 2- É improcedente o pedido formulado pela ex-esposa de divisão díspare entre ambas, pois a legislação previdenciária, em seu art. 77, caput, determina que, havendo mais de um pensionista, a pensão será rateada entre todos os beneficiários em partes iguais. (...)” (STJ, RESP nº 354276 PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª turma, publicado em 02/03/2009)
3 - É o IBDFAM o autor intelectual da proposta apresentada ao Congresso Nacional pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), e que foi elaborado ao longo de mais de um ano, contando com a colaboração de se quase 5 mil associados, aprovado em congresso nacional da entidade, com sua redação sistematizada por uma Comissão Científica composta por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (SP), Luiz Edson Fachin (PR), Maria Berenice Dias (RS), Paulo Luiz Netto Lobo (AL), Rodrigo da Cunha Pereira (MG), Rolf Madaleno (RS), Rosana Fachin (PR) e Zeno Veloso (PA).
4 - Estranhamente alguns setores da sociedade insistem em dizer que o projeto foi aprovado de “afogadilho” e que não foi devidamente discutido pelo Parlamento. Ora, o projeto está em tramitação há mais de três anos. Passou primeiramente pelo crivo da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que retirou da redação original todos os artigos que tratavam das uniões homoafetivas, com o que o substitutivo mereceu aprovação unânime. Já na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania a proposição foi amplamente debatida, inclusive com a realização de uma audiência pública (12/05/2010) que contou com a presença destes que agora estão insistindo que não houve o debate adequado e necessário.
5 - Note-se que apenas um parágrafo de um dos 264 artigos é objeto dessa interpretação equivocada, no conjunto de uma proposta que, em consonância com as modernas legislações do mundo, busca a definição dos direitos e deveres dos integrantes das famílias brasileiras, por meio de redação simples e de procedimentos dinâmicos e céleres, de acordo com os valores atuais de nossa sociedade.
O IBDFAM está inteiramente à disposição dos órgãos de comunicação social, para participar de uma discussão mais atenta e verdadeira sobre tema de tal relevância.
Atenciosamente,
Rodrigo da Cunha Pereira
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)