No próximo dia 11 de fevereiro, a população de Portugal irá às urnas para decidir, através de um Referendo, se a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) deve ser descriminalizada.
Pela legislação atual, tal como ocorre no Brasil, o aborto somente é permitido em Portugal nos casos de gravidez por estupro ou se a saúde da mãe encontra-se ameaçada. A pena máxima para quem pratica o aborto é de três anos.
Em termos de União Européia, no entanto, a posição portuguesa é quase isolada, posto encontrar-se acompanhada somente de mais quatro países, Polônia, Irlanda, Malta e Chipre.
Na França, por exemplo, a interruption volontaire de grossesse, também chamada de avortement provoqué encontra-se legalizada desde 1975.
Com as alterações legais ocorridas em julho de 2001, permite-se a qualquer mulher a prática do aborto, sem a necessidade de justificar a decisão, até a décima segunda semana de gravidez, ou seja, até a décima quarta semana de amenorréia (interrupção do fluxo menstrual).
Para tanto, basta que se submeta a duas consultas obrigatórias, em um espaço de tempo máximo de duas semanas, onde será informada acerca das técnicas de interrupção da gravidez, suas condições de realização, podendo ainda ocorrer uma entrevista com um Conselheiro Conjugal, dentre outros procedimentos medicinais e burocráticos.
Ao final da segunda consulta, a mulher deve renovar sua demanda por um documento escrito, recebendo um atestado de que houve a segunda consulta e que não há qualquer impedimento para a realização da intervenção cirúrgica. De posse destes dois documentos, basta marcar a data da IVG em qualquer estabelecimento público ou privado autorizado para este tipo de operação.
Destaque-se que, pela proximidade e pelas facilidades oferecidas, França e Espanha acabam sendo dois Países muito procurados por mulheres portuguesas que pretendem abortar.
Em Portugal os debates entre as correntes conservadoras e progressistas prometem "esquentar" nesta semana. Os meios de comunicação estão promovendo vários debates e a internet (principalmente através dos chamados blogs) tem se mostrado um importante meio de comunicação e troca de idéias.
O Partido Socialista, por exemplo, se diz "mobilizado" para o voto "sim" no referendo de 11 de fevereiro para acabar com o aborto clandestino, "uma vergonha nacional", e a pena de prisão das mulheres, afirmou, em 31/01/07, o dirigente socialista António Costa, em conferência de Imprensa, realizado na sede nacional do Largo do Rato (vide o site www.ps.pt).
O secretário-geral do PS, José Sócrates, fez no domingo (21 de janeiro), em Guimarães, um apelo aos jovens para que votem no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG), numa sessão de esclarecimento pelo "sim", no Centro Cultural Vale Flor, organizada pela Juventude Socialista.
Por outro lado, o cardeal patriarca, D. José Policarpo, líder da Igreja Católica em Portugal considera que "uma lei que permita a destruição da vida humana é um atropelo de civilização, sinal de desvio preocupante no conjunto de valores éticos que são a base das sociedades humanistas, tão arduamente construídas ao longo de séculos". Diz o clérigo: "A alma está presente desde o primeiro momento do corpo e exprime-se nele e através dele. A alma não habita o corpo, anima-o e humaniza-o. Será que os defensores do aborto são "escolásticos", do ponto de vista antropológico? Não deixa de ser curioso!" (extraído de http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=13&id_news=258498, acesso em 31/01/07).
A questão interessa-nos e muito, pois de tempos em tempos, estas mesmas discussões são levantadas em plagas brasileiras, gerando quase sempre o mesmo tipo de reações e comentários. Porém de todos os argumentos favoráveis à despenalização do aborto, o que mais chama a nossa atenção diz respeito à chaga do aborto clandestino, praticado diuturnamente no Brasil, levando a uma série incontável de mortes desnecessárias.
Os números são assustadores e têm sido usados, inclusive, a título de argumentação pela imprensa lusa, o que enche-nos de vergonha. Leia-se por exemplo, este trecho extraído de uma longa reportagem do periódico "Portugal Diário": "Pesquisas indicam que todos os anos ocorrem no Brasil entre 750 mil a 1 milhão de abortos clandestinos, cujas complicações constituem a quarta causa de morte materna no país. Segundo dados oficiais, cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano em hospitais da rede pública de saúde para fazerem raspagem do útero após aborto inseguro, a maioria é jovem e pobre" (extraído de http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=768147&div_id=291).
Pergunto: o assunto é relevante ou não? Quando teremos um debate sério a respeito?
Cristian Fetter Mold - advogado no Distrito Federal e professor de Direito de Família e Sucessões, associado ao IBDFAM
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