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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Procuradora-Geral da República opina a favor do reconhecimento das uniões homoafetivas em ADPF proposta pelo RJ

A procuradora-geral da República, Deborah Duprat, opinou pela procedência da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 132) ajuizada pelo governador do Rio de Janeiro para que se declare que o regime jurídico da união estável deve ser estendido às relações entre pessoas do mesmo sexo. Em um longo parecer, de 49 páginas, Deborah Duprat analisou detalhadamente todos preceitos constitucionais fundamentais violados pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro e pelas decisões judiciais que negam efeitos jurídicos às uniões homoafetivas. Ela afirmou que a recusa estatal ao reconhecimento dessas uniões como entidades familiares priva os parceiros homossexuais de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais e importa em menosprezo à identidade e dignidade deles.

Segundo a procuradora-geral, “não subsiste qualquer argumento razoável para negar aos homossexuais o direito ao pleno reconhecimento das relações afetivas estáveis que mantêm, com todas as consequências jurídicas disso decorrentes”, e que o não reconhecimento delas importa em lesão aos seguintes preceitos fundamentais da Constituição: da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º, inciso IV), da igualdade (art. 5º, caput) da liberdade (art. 5º, caput), e da proteção à segurança jurídica. Diante da inexistência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, ela opina para que sejam “aplicadas analogicamente ao caso as normas que tratam da união estável entre homem e mulher”.

Deborah Duprat afirma que “a igualdade impede que se negue aos integrantes de um grupo a possibilidade de desfrutarem de algum direito, apenas em razão de preconceito em relação ao seu modo de vida. Mas é exatamente isso que ocorre com a legislação infraconstitucional brasileira, que não reconhece as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tratando de forma desigualitária os homossexuais e os heterossexuais”. Ela acrescenta que esta postura não está em harmonia com a Constituição de 88, que pretendeu fundar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Bem de todos - A procuradora-geral destaca que a Constituição proíbe discriminações relacionadas à orientação sexual não apenas com base no princípio da isonomia, como também no art. 3º, inciso IV, que estabeleceu, como objetivo fundamental da República, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Ela lista alguns argumentos que vêm sendo empregados pelos opositores da legalização das uniões entre casais do mesmo sexo: “estas uniões seriam 'pecaminosas', contrariando a lei divina e o direito natural; elas atentariam contra a 'natureza das coisas'; elas não mereceriam proteção legal porque não dão ensejo à procriação; elas estimulariam comportamentos sexuais desviantes, enfraquecendo a família e o casamento; e elas não estariam em consonância com os valores predominantes na sociedade”.

Deborah Duprat afirma que nenhum destes argumentos pode ser aceito pela ordem constitucional brasileira e passa, a seguir, a refutá-los. Diz que o argumento do “pecado” é incompatível com os princípios da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, que não pode basear seus atos em concepções religiosas, ainda que cultivadas pela maioria da população, pois estaria desrespeitando todos aqueles que não as professam.

Quanto ao argumento de contrariedade à “natureza das coisas”, diz que ele também não convence, porque “do ponto de vista biológico, a homossexualidade é tão 'natural' como a heterossexualidade, manifestando-se também entre outros seres vivos e ostentando, segundo uma importante corrente, um forte componente genético. Mas, ainda que assim não fosse, não seria legítimo cercear a igual liberdade de cada um de perseguir a própria felicidade, escolhendo o seu parceiro ou parceira familiar, com base em argumentos desta ordem”.

Em relação à alegação de que a impossibilidade de procriação justificaria a não-proteção da união entre pessoas do mesmo sexo, Duprat diz que ela também é equivocada “porque, o incentivo à procriação não é o objetivo da tutela legal dispensada à união estável. Existem inúmeros outros motivos válidos e legítimos que levam os casais a optarem pela construção de uma vida em comum, que sempre foram aceitos pelo Direito. Tanto é assim que nem mesmo se discute o direito à constituição de família por casais heterossexuais inférteis, ou que não pretendam ter filhos”.

Também rebate o argumento de que a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo representaria um estímulo a práticas sexuais desviantes, ou que poria em risco o casamento e a família tradicionais. “A homossexualidade é uma condição do indivíduo, não sendo, a rigor, positiva ou negativa, da mesma forma que outras características humanas, como a cor da pele”. E acrescenta que ao reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo, “o Estado estará tão-somente respeitando e conferindo a devida proteção legal às escolhas afetivas feitas por pessoas que não teriam como se realizar existencialmente através da constituição de família com indivíduos do sexo oposto”.

Tutela à família - Deborah Duprat acredita que o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, ao contrário, pois proporciona “às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais – que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico - a tutela legal de que são merecedoras”. Ela afirma que a tutela à família pela ordem constitucional não significa colocá-la “em uma redoma jurídica, para abrigá-la diante das tendências liberais e igualitárias que ganham corpo na sociedade contemporânea, dentre as quais se insere o movimento de afirmação dos direitos dos homossexuais. Pelo contrário, a Constituição de 88 instituiu um novo paradigma para a família, assentado no afeto e na igualdade”.

A procuradora-geral também rejeita o argumento de que a união entre pessoas do mesmo sexo não poderia ser aceita por contrariar a moralidade dominante na sociedade brasileira. Ela considera duvidosa a afirmação de que a sociedade hoje se posiciona majoritariamente contra o reconhecimento dos relacionamentos estáveis entre homossexuais, mas ressalva que, ainda que assim fosse, “o papel do direito – e especialmente o do direito constitucional – não é o de referendar qualquer posicionamento que prevaleça na sociedade, refletindo, como um espelho, todos os preconceitos nela existentes. Pelo contrário, o direito deve possuir também uma dimensão transformadora e emancipatória, que se volte não para o congelamento do status quo, mas para a sua superação, em direção à construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária”.

Proposição de ADPF - Na semana passada, a procuradora-geral da República propôs uma arguição de descumprimento de preceito fundamental em que pede o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo em todo o país.


Fonte: MPF

terça-feira, 7 de julho de 2009

Procuradora-Geral da República defende antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia

Em parecer enviado ontem, 6 de julho, ao Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Deborah Duprat, quer que o STF dê interpretação conforme a Constituição Federal dos artigos 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal, para declarar que tais dispositivos não criminalizam ou impedem a interrupção voluntária da gravidez em caso de anencefalia fetal, desde que a doença seja diagnosticada por médico habilitado, reconhecendo-se o direito da gestante de se submeter a esse procedimento sem a necessidade de prévia autorização judicial ou de qualquer outro órgão estatal.
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Deborah Duprat concordou integralmente com os argumentos da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que ajuizou, no STF, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 54) para comprovar que os referidos dispositivos do Código Penal violam preceitos fundamentais da Constituição Federal ao proibir a antecipação voluntária da gravidez de fetos anencéfalos.
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A procuradora-geral da República destaca que a proibição de antecipar a gravidez de fetos com anencefalia vai contra o direito à liberdade, à privacidade e à autonomia reprodutiva, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. Deborah Duprat salienta que não há violação do direito à vida nem aborto eugênico na antecipação terapêutica do parto. Ela completa que a interrupção desse tipo de gravidez é direito fundamental da gestante, além de não lesar o bem jurídico tutelado pelos artigos 124 a 128 do Código Penal, no caso, a vida potencial do feto.
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Deborah Duprat concluiu: “A antecipação terapêutica do parto na anencefalia constitui exercício de direito fundamental da gestante. A escolha sobre o que fazer, nesta difícil situação, tem de competir à gestante, que deve julgar de acordo com os seus valores e a sua consciência, e não ao Estado. A este, cabe apenas garantir os meios materiais necessários para que a vontade livre da mulher possa ser cumprida, num ou noutro sentido.”
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Anencefalia - A procuradora-geral da República explica que a anencefalia constitui patologia incurável, incompatível com o desenvolvimento da vida extra-uterina, que pode ser diagnosticada com 100% de certeza. “Trata-se de uma má-formação congênita, consistente em defeito do tubo neural, que resulta na não-formação do córtex e dos hemisférios cerebrais. O cérebro dos portadores desta patologia compõe-se apenas de resíduos do tronco encefálico, o que permite a manutenção de algumas funções vitais, como a respiração e o batimento cardíaco. Não há, porém, a formação do sistema nervoso central, que é responsável pela consciência, pela comunicação, pelo pensamento e pelas emoções”, destaca Deborah Duprat, que assevera, ainda, que a “maior parte dos fetos anencéfalos morre durante a gestação. Aqueles que não falecem durante a gravidez têm curtíssima sobrevida, de natureza meramente vegetativa, em geral de poucos minutos ou horas”.
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Deborah Duprat, cita, em seu parecer as audiências públicas realizadas pelo STF no ano passado para tratar do assunto. Nesse evento, menciona a procuradora-geral, foi devidamente esclarecido o fato de que a menina Marcela de Jesus, que teria supostamente sobrevivido por um ano e oito meses com anencefalia, não tinha na verdade a doença, “ao contrário do que afirmaram os opositores da interrupção voluntária da gravidez, mas outra má-formação cerebral menos severa, ainda que também de caráter fatal”. Além disso, foi esclarecido que gravidez do feto anencéfalo impõe risco à saúde e à vida da gestante significativamente maior do que a gravidez normal, sem falar nos evidentes abalos psíquicos que ela tende a acarretar.
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Para a procuradora-geral da República, o debate sobre a interrupção ou não de gravidez com feto anencéfalo só pode ser discutido a partir de argumentos jurídicos, éticos e científicos, devendo-se evitar argumentação de cunho religioso. “Num Estado laico e pluralista, que, por imperativo constitucional (art. 19, inciso I, CF), deve manter equidistância em relação às diversas confissões religiosas, as questões jurídicas submetidas ao crivo do Poder Judiciário não podem ser equacionadas, de forma explícita ou inconfessada, com base em dogmas de fé, mas apenas a partir de razões públicas, cuja aceitação não dependa da adesão a pré-compreensões teológicas ou metafísicas determinadas”.
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Ela acrescenta que não significa que seja ilegítima a participação nos debates jurisdicionais de entidades religiosas, como ocorreu nesse caso. “Pelo contrário, numa democracia, não é legítimo excluir qualquer ator da arena de definição do sentido da Constituição. Contudo, para tornarem-se aceitáveis no debate jurídico os argumentos provenientes dos grupos neste quadro, é evidente que não se justifica, sob o prisma constitucional, a imposição de qualquer restrição, sobretudo de natureza penal, à liberdade da gestante de decidir se interrompe ou não a sua gravidez, abreviando o desfecho inexorável da morte do anencéfalo".
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Avanços científicos - Segundo Deborah Duprat, a questão jurídica debatida nesse caso resulta do anacronismo da legislação penal brasileira, editada quando ainda não era possível diagnosticar a viabilidade da vida extra-uterina do feto. “Em 1940, quando foi promulgada a Parte Especial do Código Penal, a tecnologia então existente não permitia a realização de diagnóstico pré-natal da anencefalia. Porém, tal quadro se alterou radicalmente nas últimas décadas, por força dos avanços científicos na Medicina”.
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Deborah comenta que o Código Penal, ao tipificar o aborto, excluiu a sanção criminal nas hipóteses de gestação que enseje risco de vida para a gestante, e de gravidez resultante de estupro (art. 128 do CP). “O legislador do passado não contemplou a hipótese de interrupção da gravidez decorrente de grave anomalia fetal impeditiva de vida extra-uterina porque não podia adivinhar que futuros avanços tecnológicos possibilitassem um diagnóstico seguro em tais casos".
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O parecer da procuradora-geral da República será analisado pelo ministro Marco Aurélio, relator da ação no STF.