O Site Migalhas noticiou hoje sobre sentença proferida condenando a Faculdade Anhanguera a indenizar uma
aluna, por não disponibilizar as atualizações legislativas em curso de
pós-graduação contratado. Na decisão, oriunda da 2ª vara Cível de Brasília/DF, O Juiz entendeu que
houve vício no serviço prestado.
Na sentença, o Magistrado afirmou que o "fundamento fático no qual se ancora a pretensão indenizatória é a falha na prestação do serviço acima já analisado."
Acresceu que "a parte teve de despender tempo estudando o conteúdo desatualizado, já que as provas e avaliações virtuais eram elaboradas conforme o material disponibilizado(...) Vejo, ainda, que mesmo diante das iniciativas da parte para obter acesso às atualizações, houve desídia da requerida, com evasivas de que “está em processo de disponibilização” e “ os materiais adicionais serão acrescentados ou substituídos, conforme necessidade”.
Aplicou no caso, por conseguinte, a "(...) teoria do desvio produtivo do consumidor ou da perda do tempo livre ou ainda da perda do tempo útil, despontado na jurisprudência nos casos em que a busca por solução de problema, não provocado pelo consumidor, represente verdadeiro calvário; ou quando os procedimentos para solução destes problemas privem tempo relevante do consumidor (...)"
Esta Teoria, segundo várias fontes, foi introduzida no Brasil a partir do trabalho do advogado capixaba Marcos Dessaune, o qual em seu site, afirma que tal Teoria está transformando a antiga jurisprudência brasileira do “mero
aborrecimento”, ao sustentar que o consumidor, ao desperdiçar o seu tempo
vital e se desviar das suas atividades existenciais para enfrentar problemas de
consumo que não criou, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de
natureza existencial, que é indenizável in
re ipsa.
A Teoria
afirma ainda que, "nos eventos de desvio produtivo, o consumidor também pode
sofrer danos materiais, que são ressarcíveis em face
de sua comprovação. A Teoria conclui que está equivocada a jurisprudência que
sustenta que a via crucis
percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos
próprios fornecedores, representa “mero dissabor ou aborrecimento”. Afinal, nos
eventos danosos de desvio produtivo, os bens ou interesses jurídicos lesados
são o tempo vital e as atividades existenciais do consumidor (trabalho, estudo,
descanso, lazer, convívio social, etc.), e não a sua integridade psicofísica."
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já possui alguns exemplos de aplicação do novo instituto, como no recente Acórdão 1308529 , em que o defeito de fábrica de um veículo, o qual provocou acidente, fez ainda com que o Consumidor ficasse 16 meses sem o carro (Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª T. Cív., DJE: 21/1/2021).
O Superior Tribunal de Justiça também já menciona a Teoria em alguns acórdãos, como destaca esta matéria de 2018, com destaque para a fala do Ministro Marco Aurélio Bellizze:
“Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais,
empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em
observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e
serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado,
contrariando a lei", diz o ministro Marco Aurélio Bellizze.
"Para
evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a
desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas
competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o
lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o
fornecedor tem o dever de não causar”, votou Bellize, em decisão
monocrática.
Por fim, de bom tom frisar que nem tudo é "desvio produtivo" e nem sempre é possível comprová-lo, de acordo com julgados oriundos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Ementa:
RECURSO
INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO
POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS. POSTERIOR CANCELAMENTO.
RETENÇÃO ABUSIVA DE VALORES. RECURSO ADSTRITO AO RECONHECIMENTO DOS
REQUISITOS CARACTERIZADORES DO DANO MORAL. AUSENTE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
DANO MORAL INOCORRENTE. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO
DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE REQUISITO
ESSENCIAL.
- Cuida-se de ação por meio da qual reclama a parte autora a condenação
da parte ré a lhe restituir a integralidade dos valores que pagou por
passagem aérea, canceladas poucos dias após a compra pela internet, bem
como indenização por dano moral.
- A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, dela recorrendo
a parte autora, exclusivamente quanto ao dano moral.
- Pois bem. O caso dos autos não trata de dano moral in re ipsa e,
ainda que se reconheça que a parte autora enfrentou aborrecimento diante
dos fatos narrados na inicial, certo é que a situação não ultrapassa os
incômodos inerentes à vida em sociedade e, dessa forma, não passíveis
de indenização por dano à esfera pessoal.
- Ressalte-se que a parte autora não demonstrou ter sofrido alguma lesão
a direito de personalidade ou à dignidade humana, ou mesmo situação que
tenha causado angústia, sofrimento ou abalo moral, a ponto de causar
desequilíbrio emocional por fato imputável à parte ré, razão pela qual
não prospera o pleito de reparação por danos morais.
- Em relação ao pedido de aplicação da Teoria do Desvio Produtivo
do Consumidor, no caso, não assiste razão aos recorrentes, na medida em
que não demonstraram, ainda que minimamente, essa privação de tempo. Ou
seja, não trouxeram aos autos qualquer prova do alegado tempo gasto
para a solução do impasse na esfera administrativa, que pudesse dar
ensejo ao ressarcimento indenizatório pelo desvio produtivo.
- Sentença de parcial procedência mantida, a teor do art. 46 da Lei
9.099/95.
RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009471525, Segunda
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria Canto da
Fonseca, Julgado em: 25-11-2020)
Ementa:
RECURSO
INOMINADO. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. TELEFONIA. ORIGEM E REGULARIDADE DO DÉBITO NÃO COMPROVADAS. ÔNUS
DA DEMANDADA. DÉBITO DESCONSTITUÍDO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NEGATIVA.
TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS.
OFENSA A ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE DA AUTORA INDEMONSTRADA.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009467804,
Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria
Canto da Fonseca, Julgado em: 25-11-2020)