sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O uso da religião como forma de fomentar a alienação parental

“- Sua mãe é uma pecadora!” “- Seu pai não tem deus no coração!”

O USO DA RELIGIÃO COMO FORMA DE FOMENTAR A ALIENAÇÃO PARENTAL
Cristian Fetter Mold


Texto publicado na Revista Consulex - nº 402 - de 15 de Outubro de 2013.

Introduzida em nosso ordenamento jurídico através da Lei nº 12.318/10, a alienação parental tornou-se um dos principais temas de estudos por parte dos juristas ligados ao Direito de Família, além de passar a integrar o leque de discussões presentes nas lides familiares, por vezes ocupando muito mais espaço nas petições das partes ou nas sentenças dos magistrados do que as disputas pela divisão do patrimônio ou pela fixação de pensões alimentícias.
Entretanto, não há ainda uma compreensão ampla do fenômeno na sociedade em geral, não sendo raro encontrarmos conceitos errôneos ou incompletos sobre o assunto. Em data recente, audiência pública ocorrida perante a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal constatou, além da necessidade de difusão da matéria entre a sociedade, até mesmo a falta de preparo técnico dos profissionais das áreas de conhecimento (Direito, Psicologia, Periciais e outros) em relação à alienação parental.1
Que fique claro, portanto, que o presente artigo parte do princípio de que o texto legal, malgrado sua importância, apresenta características meramente exemplificativas, tanto no que tange ao conceito e agentes envolvidos no processo, quanto no que pertine às formas pelas quais a alienação parental se apresenta, sendo sempre possível aplicar os conceitos básicos contidos na Lei para hipóteses não imaginadas pelo legislador.
Na verdade, entendemos que andaria melhor o legislador ao dizer que a alienação parental pode ser praticada por qualquer membro da família paterna ou materna (natural, extensa ou substituta) contra qualquer outro membro da família paterna ou materna (natural, extensa ou substituta), sejam eles unidos à criança ou adolescente por laços consanguíneos, afins ou socioafetivos, podendo ainda o alienador utilizar-se de pessoa interposta, funcionários da casa, amigos, professores, companheiros(as), namorados(as), entre outros.
Ademais, resta-nos claro que a aplicação da Lei estende-se também aos casais do mesmo sexo e seus filhos, podendo ainda ambas as famílias adotar condutas alienantes recíprocas.

FORMAS DE ALIENAÇÃO PARENTAL E A RELIGIÃO COMO FOMENTADORA DA PRÁTICA
Notoriamente, o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 12.318/10 elenca formas exemplificativas de alienação parental, tais como desqualificar o parente-alvo, dificultar o seu contato com a criança ou adolescente, apresentar falsas denúncias, dentre outros.
Aparentemente, a utilização de conceitos (ou preconceitos) religiosos como forma de denegrir a imagem do parente-alvo não tem chamado a atenção dos comentaristas pátrios. Porém, a possibilidade de seu uso dentro do “arsenal” de abusos cometidos pelo parente alienador vem sendo notada na doutrina estrangeira há algum tempo.
Um dos textos pioneiros a respeito da alienação parental publicado na Europa, de autoria de um pai belga afastado de seus filhos, François Podevyn, assim como os primeiros textos em muitos idiomas, inclusive no Brasil, procuravam listar uma série interminável de condutas que poderiam caracterizar a “síndrome” já então descrita por Richard Gardner e outros autores norte-americanos.
Na ocasião, dizia o autor belga que uma das formas de “sabotar” a relação entre os filhos e o outro genitor seria: “tomar decisões importantes a respeito dos filhos sem consultar o outro genitor (escolha de religião, escolha da escola etc.)”.2
Ora, pais e mães, ainda que não partilhem da mesma religião, possuem o direito de transmitir aos seus filhos seus valores e crenças, para que estes possam futuramente fazer suas próprias escolhas. Assim, obstaculizar este direito, forçando a criança a adotar uma religião, fazendo-a renegar os ensinamentos que poderiam advir do parente-alvo, há de ser prejudicial à sua formação psicológica, sendo então conduta abrangida pelo texto da Lei nº 12.318/10.
Frise-se que cada vez mais o ensino religioso no Brasil caminha para a modalidade “interconfessional”, respeitando a imensa diversidade religiosa existente no País, sendo atualmente vedadas quaisquer formas de proselitismo na educação religiosa.
Mas, logicamente, a história não dá saltos, e, infelizmente, assiste-se também a um avanço de algumas modalidades de manifestação religiosa baseadas em uma intolerância preocupante para com outras religiões, o que vem atingindo casais e provocando divórcios.
Por isso, nosso breve estudo precisa ir um pouco mais além. Entendemos que não só a “escolha” unilateral da religião é uma forma de alienação, como também que o uso abusivo de conceitos religiosos pode levar a criança ou adolescente a afastar-se do parente-alvo.
Um dos “sintomas” elencados pelo Professor Richard Gardner, o primeiro a descrever a suposta “Síndrome da Alienação Parental”, é a falta de ambivalência (lack of ambivalence) das crianças e adolescentes afetados, de modo que geralmente o alienador está sempre correto e o parente-alvo, ou parente alienado, está sempre errado.
A utilização abusiva de conceitos religiosos, de modo a submetê-los a crianças e adolescentes sem maturidade suficiente para compreendê-los em sua inteireza, podem ser assim um poderoso instrumento de aliança com os filhos e, conseqüentemente, de afastamento do parente alienado.
Tal conduta não escapa às análises da doutrina estrangeira. Para Joan B. Kelly e Janet R. Johnston: “Novos parceiros, particularmente aqueles percebidos como responsáveis ​​pelo rompimento do casamento, podem servir como um pára-raios para a raiva sobre o divórcio, e as crianças, em tais situações, muitas vezes se deparam com conflitos de lealdade gritantes e escolhas difíceis. Eles próprios podem sentir-se traídos pela descoberta do novo parceiro de um dos pais. Crenças e práticas religiosas fortemente arraigadas também podem contribuir para a alienação das crianças, sendo este parente condenado, tanto pela família, como pela Congregação, por procurar o divórcio por seu comportamento imoral e escolhas ímpias”.3
O norte-americano Richard Warshawk, em seu livro Divorce poison4, elenca uma série de casos trazidos ao seu consultório, envolvendo religião e alienação parental, e frases como “sua mãe não é somente uma mãe ruim, ela é uma pecadora”. Por quê? Usualmente por uma destas três razões: mais frequentemente porque ela dormiu com outro homem. Em alguns casos, somente porque ela deu início ao processo de divórcio. E, em outros casos, meramente porque ela não abraçou a nova crença religiosa do pai.
Segundo o autor, o discurso é o seguinte: essa mãe é má e digna de desprezo porque ela violou as leis de Deus, ela tem Satã em seu coração e será destruída no fim dos tempos, por sua falta de amor a Deus.
Facilmente a criança, em sua imaturidade, e na sua incapacidade psicológica de pensar em termos balanceados sobre uma pessoa, é encoberta por este manto de legitimidade e autoridade absoluta. A criança recebe a mensagem de que deve condenar esta mãe, não porque ela provocou ciúmes e raiva em seu pai, mas porque ela ofendeu a Deus. A criança é pressionada em direção à alienação parental como uma demonstração de sua fé.

BREVES CONCLUSÕES
Desta forma, embora praticamente não se mencione a hipótese na doutrina brasileira atual, entendemos que a escolha unilateral da religião ou, ainda, a utilização abusiva de conceitos religiosos como forma de prejudicar a visão que a criança possui de um de seus parentes de referência são formas de alienação parental, constituindo-se em interferência na formação psicológica das crianças e adolescentes, o que já foi observado na doutrina estrangeira e certamente há de surgir em breve nas Varas de Família brasileiras.
Reconhecida como uma forma de alienação parental, obviamente, os profissionais do Direito devem estar preparados para lidar com a situação, de forma rápida e efetiva, observando sempre o melhor interesse da criança e o respeito à sua formação religiosa, a qual pode – por que não? – abranger conceitos diversos e oriundos de doutrinas religiosas diferentes, não devendo haver qualquer tipo de hesitação em se punir o parente alienador que se recuse a cumprir com as determinações do Juízo.
E, jamais pretendendo esgotar o assunto, o qual merece considerações mais extensas, ficam as lições de Jennifer M. Paine: “Quando a religião entra no caso, o objetivo não é determinar qual parente é mais santo. […]. Ao invés disso, o objetivo é determinar qual parente irá reforçar e encorajar a formação religiosa da criança e o seu relacionamento com o outro parente”5, comando, diga-se de passagem, contido claramente no art. 7º da Lei nº 12.318/10.

CRISTIAN FETTER MOLD é Advogado em Brasília. Professor de Direito de Família e Sucessões do IESB. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Associação Advogados pelo Respeito à Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero (ADLIB).

NOTAS
1   Disponível em: . Acesso em: 28.09.13.
3 In: The alienated child – A reformulation of Parental Alienation Syndrome. Disponível em: . Acesso em: 30.09.13. Tradução livre.
4 WARSHAK, Richard. Divorce poison – How to protect your family from bad-mouthing and brainwashing. Harper USA, 2010. Vide o capítulo With God On our side, passim.
5   Advogada em Detroit. Cf. How can religion sway your custody case. Disponível em: . Acesso em: 30.09.13. Tradução livre.



Programa STJ 25 anos - Tema "Barriga de Aluguel"

TJRJ - Devedor de pensão alimentícia poderá ter nome inscrito em cadastros restritivos de crédito

A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro possibilitou, 
por meio do protesto de título judicial, a inclusão do nome de um devedor de pensão alimentícia 
nos cadastros restritivos de crédito (SPC e Serasa), 
determinando-se, porém, que na certidão emitida com essa finalidade 
conste apenas referência ao nome do devedor, 
ao nome da representante legal da menor, o número do processo judicial 
e o valor nominal da dívida.

Leia tudo AQUI

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Parlamento Belga aprova eutanásia para menores

O Parlamento da Bélgica aprovou nesta quinta-feira uma lei que autoriza a eutanásia para menores, sem limite mínimo de idade. Aprovada 86 votos, com 44 contra e 12 abstenções, ela agora segue para a assinatura do rei.
Após isso, o direto à eutanásia, que já era válido para adultos, será ampliado para menores em estado terminal e sofrendo de dores físicas insuportáveis, desde que contem com a aprovação explícita dos pais e de uma junta médica de pediatras e psiquiatras.
A Bélgica permite a morte assistida para adultos desde 2002, a exemplo de Suíça, Luxemburgo e também da Holanda, onde a eutanásia é permitida para crianças a partir de 12 anos, também com o consentimento dos pais.

(...)

Uma recente pesquisa de opinião indicou que 74% da população apoia a iniciativa. Em 2012 a Bélgica registrou um recorde de eutanásias em adultos: 1.432 casos, 25% mais que no ano anterior e o equivalente a 2% dos falecimentos.

Leia esta notícia completa AQUI
Leia também a notícia conforme publicada pelo Jornal Francês Le Point AQUI

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Prisão Civil por alimentos e o Projeto do novo CPC

É o artigo escrito pelo Promotor Ronaldo Batista Pinto. 

Veja alguns trechos:


O relatório do deputado Paulo Teixeira, porém, trouxe relevantes inovações sobre a matéria. Assim, em seu art. 542, reza que, intimado o executado, caso não pague ou, justificando a inércia, tenham sido refutados seus argumentos, ser-lhe-á decretada a prisão. Já no § 3° do mesmo artigo – e aí a inovação – dispõe que:
"A prisão será cumprida em regime semiaberto; em caso de novo aprisionamento, o regime será o fechado. Em qualquer caso, o preso deverá ficar separado dos presos comuns; sendo impossível a separação, a prisão será domiciliar".
A justificativa ofertada no relatório do parlamentar é no sentido de que "a prisão civil do devedor de alimentos deve ser decretada, primeiramente, pelo regime semiaberto, de modo a viabilizar que o devedor preso saia do estabelecimento a que tenha sido recolhido a fim de trabalhar e obter os meios necessários para efetuar o pagamento". E prossegue: "apenas no caso de persistência do inadimplemento é que se poderá cogitar de prisão pelo regime fechado".
Cumpre apontar o equívoco dessa opção.

Leia tudo AQUI

domingo, 2 de fevereiro de 2014

PALESTRA - TESTAMENTO VITAL

“TESTAMENTO VITAL” – CRISTIAN FETTER MOLD -  Palestra proferida no Congresso do IBDFAM-DF em 07 de Junho de 2013.

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Todos os seres humanos aspiram viver dignamente e segundo seus valores vitais. O ordenamento jurídico deve concretizar e, simultaneamente proteger estas aspirações.  
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Podemos conceituar os valores vitais como sendo o conjunto de valores e crenças de uma pessoa que dão sentido ao seu projeto de vida.
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Mas a morte, como destaca o texto da Legislação da Andaluzia sobre os Direitos e Garantias durante o processo de Morte, a morte também faz parte da vida. Morrer constitui o ato final da biografia pessoal de cada ser humano e não pode ser separada daquela como algo distinto.
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Portanto o imperativo de uma vida digna alcança também a morte. Uma vida digna requer uma morte digna. O direito a uma vida humana digna não pode ser truncado com uma morte indigna. O ordenamento jurídico está, por conseguinte, chamado também a concretizar e proteger este ideal da morte digna (1).
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A legislação espanhola mais recente, talvez por isso, fale em um “Direito a Viver com Dignidade o Processo de Morrer” (2)
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Segundo Ana Carolina Brochado e Luciana Dadalto Penalva, a centralidade da pessoa humana no atual ordenamento jurídico provocou uma reflexão em vários âmbitos, que ultrapassa o estritamente jurídico, expandindo-se para a área médica, bioética e antropológica, entre outras (3)
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Na perspectiva médica, continuam as autoras, fala-se em uma efetiva transformação na relação médico-paciente, de uma relação autoritária para uma perspectiva dialógica, de modo a se buscar constituir uma aliança terapêutica, na qual sejam respeitados os direitos e garantias do paciente. Tal tutela ocorre a princípio por ser ele “proprietário” do corpo doente, titular de autonomia que lhe autoriza governar o próprio corpo, razão pela qual deve ser considerado pelo Direito como soberano de si mesmo e da própria saúde. Por isso afirma-se o caráter vinculante da vontade do paciente (4).
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Ademais, conforme lembra o Professor Léo Pessini (5):
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“É necessário cultivar a sabedoria de integrar a morte na vida, como integrante desta. A morte não é uma doença e não deve ser tratada como tal. Não somos doentes nem vítimas da morte. Podemos ser curados de uma doença classificada como mortal, mas não da dimensão de nossa mortalidade. A nossa condição de existir como seres finitos não é uma patologia. Quando esquecemos isso, acabamos caindo na tecnolatria e na absolutização da vida biológica pura e simplesmente. Nesse contexto, os instrumentos de cura e cuidado se transformam em ferramentas de tortura.”
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Nesse contexto insere-se esta breve palestra, nesse contexto inserem-se os “Testamentos Vitais” ou “Diretivas Antecipadas de Vontade”.
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Para Ernesto Lippman, autor de leitura obrigatória sobre quem se interesse pelo assunto, o Testamento Vital é:
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 uma declaração escrita da vontade de um paciente, quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifestar, sendo importante que seus desejos sejam documentados e manifestados de forma consciente e esclarecida (6).
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Embora não haja legislação a respeito, o Testamento Vital passa a ser reconhecido no Brasil através da Resolução 1995/2012, do CFM que se fundamenta na autonomia da vontade do paciente, bem como na dignidade humana prevista na Constituição Federal.
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Mencione-se inclusive o artigo 41 do Código de Ética Médica, o qual sinaliza de forma clara que a vontade expressa do paciente deve ser respeitada, e que devem ser evitados os tratamentos fúteis, a chamada obstinação terapêutica, de modo a prolongar artificialmente a vida do paciente em situação terminal ou de agonia (7).
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Ademais, além da validade do Testamento Vital no Brasil estar escudada nos Princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade, deve ser ainda invocado o artigo 5º, inciso III da Constituição Federal, o qual proíbe o tratamento desumano. E, sem dúvidas, o tratamento é desumano quando atinge a dignidade da pessoa.
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Dessa forma, imputar a um indivíduo a obrigação de ser submetido a tratamento médico que apenas prolongará a sua vida, sem nenhuma perspectiva de melhorar ou curar a enfermidade que, a seu critério, constitui um fardo, pelas consequências que lhe provoca, ou seja, contra a sua vontade manifestamente expressa, constitui tratamento desumano, vedado pelas escolhas feitas pelo legislador brasileiro ao redigir a Carta de 1988.
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E é com base nos Princípios da Constituição de 1988 que o Conselho Federal de Medicina em seu Código Ético diz (art. 41, parágrafo único):
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“Nos casos de doença incurável e terminal deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente, ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
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Os autores que tem se dedicado ao assunto, opinam em geral que o Testamento Vital (ou Diretivas Antecipadas de Vontade), pode ser feito por instrumento público ou privado, revogável total ou parcialmente a qualquer tempo.
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O texto deverá conter as decisões e condutas que, a critério do Testador, deseja que sejam seguidas, em relação a aplicação ou não das medidas possíveis para que sua vida seja prolongada, caso esteja em situação terminal, ou situação de agonia, podendo ainda incluir medidas para as hipóteses de :
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a) perda da consciência;
b) coma
c) falta das funções vitais; e
d) presença de sequelas (8);
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Nos Estados Unidos, onde o assunto vem sendo debatido desde os anos 70, são comuns as disposições sobre RETIRADA DE SUPORTE VITAL, a NÃO OFERTA DE SUPORTE VITAL, e as Ordens de NÃO RESSUCITAÇÃO, as quais passam a fazer parte do Prontuário do Paciente.
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Para muitos autores, é possível também deixar informações sobre o desejo ou o não-desejo de algum tipo de assistência religiosa, podendo também o Testador fazer disposições sobre o seu funeral, cremação, e até mesmo a disposição sobre doação de órgãos e até mesmo a disposição do próprio corpo para uma Faculdade de Medicina para estudos posteriores.
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Entendemos também ser indispensável a designação de pelo menos um responsável para ser o porta-voz e representar o paciente perante a equipe médica e perante a própria família, lembrando que muitas vezes componentes da própria equipe médica e membros da família podem ter visões muito diferentes acerca do que seja ético se fazer ou não, ou do que seja sagrado, podendo complicar a situação ou provocar debates quase insanáveis.
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Ronald Dworkin em seu livro “Domínio da Vida” (Ed. Martins Fontes, 2009) conta vários casos de embates ocorridos na Justiça Americana envolvendo parentes, Hospitais, grupos religiosos e Tribunais, quando o assunto “morte” vem à tona.
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Peguemos por exemplo o caso da pessoa ativa e que por algum motivo encontra-se em estado vegetativo persistente, tendo perdido por completo a possibilidade de interagir de qualquer forma com seu semelhante, embora não tenha diagnóstico de morte iminente. Consideremos que esta pessoa não tenha deixado qualquer diretiva antecipada sobre os tratamentos a serem aplicados ou suprimidos, conforme permite a legislação de vários países.
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Podemos encontrar, facilmente, médicos e familiares que acreditem piamente que:
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a) aquele sofrimento é desnecessário, pois não pode estar entre os interesses fundamentais de uma pessoa ficar naquele estado;
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b) aquela pessoa sempre foi tão ativa e “guerreira” que certamente está lutando pela sua vida, e não temos o direito de interromper esta luta;
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c) aquela pessoa tinha dito, informalmente, ao ver uma matéria televisiva a respeito, que jamais gostaria de ficar daquele jeito e que por isso seus aparelhos deveriam ser desligados.
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Diante de tais enfoques incompossíveis, e uma vez que o paciente não pode mais se manifestar, fundamental, portanto, a eleição, no texto das Diretivas Antecipadas, deste que podemos chamar de “Procurador dos Cuidados de Saúde” ou ainda “Testamenteiro Vital”.
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Sugere-se que esta pessoa não tenha qualquer interesse financeiro na morte do paciente, para que não haja conflito de interesses, e nem seja o médico responsável por seu tratamento, para não haver qualquer conflito ético.
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O Testamenteiro Vital é, portanto, a pessoa encarregada de portar o Testamento e, no momento oportuno, levá-lo ao conhecimento da equipe médica, buscando garantir ao máximo o respeito à vontade do paciente, até mesmo através de medidas judiciais caso encontre oposições médicas e/ou familiares ao cumprimento das disposições, podendo ainda tomar decisões em nome do paciente, caso tenha recebido poderes para tanto. 
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Quanto à idade mínima para se fazer um Testamento Vital, cada ordenamento tem buscado suas soluções, as quais convergem mais ou menos para o mesmo sentido.
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Para o legislador andaluz todo paciente menor de idade tem direito a receber informações sobre sua enfermidade e intervenções sanitárias propostas, de forma adaptada a sua capacidade de compreensão, tendo direito também a manifestar sua opinião, se já contar com pelo menos doze anos de idade. Não sendo capaz intelectual, nem emocionalmente para entender o alcance das informações prestadas, estas deverão ser passadas a seus representantes legais (9).
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Na Holanda, maiores de 12 anos podem decidir inclusive sobre a abreviação de sua vida, através da prática da Eutanásia (10).
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Na Argentina, reconhece-se a autonomia da vontade das crianças e adolescentes, as quais têm direito a intervir para efeito de tomada de decisões sobre terapias e procedimentos médicos que envolvam sua vida e saúde (11).
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No Brasil, o Código de ética Médica e a doutrina médica recomendam que mesmo ao lidar com pessoa absolutamente ou relativamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, o médico deve procurar incluir o paciente pediátrico nesse processo, à medida que ele se desenvolve e que for identificado como capaz de avaliar seu problema. Assim, para realizar procedimentos ou tratamentos em crianças e adolescentes recomenda-se obter seu assentimento.
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“A capacidade de compreender as consequências de seus atos é um processo que normalmente se inicia a partir dos seis anos de idade e amadurece até o final da adolescência. Dessa forma o menor tem direito a fazer opções sobre procedimentos diagnósticos e terapêuticos, embora em situações consideradas de risco e frente à realização de procedimentos de alguma complexidade, tornam-se sempre necessários, além do assentimento do menor, a participação e o consentimento dos seus responsáveis legais. Obter o equilíbrio entre o consentimento substitutivo e o assentimento da criança ou do adolescente é importante para conseguir a empatia necessária entre a equipe de saúde e o paciente pediátrico e sua família, além de entender aos princípios éticos e legais do exercício profissional(12).
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A doutrina especializada ainda fala em procurar “captar os desejos da criança”, embora a criança não seja considerada capaz. Já a partir dos 16 anos, não há dúvida entre a doutrina brasileira sobre a capacidade para fazer qualquer testamento, inclusive o testamento vital, sem a necessidade de assistência de seus pais, como em qualquer outro tipo de testamento.
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Aproximando-se da minha conclusão, há quem sustente que este tipo de palestra ou estudo é uma afronta à sacralidade da vida humana.
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Aliás, a maioria esmagadora das pessoas que me ouvem/leem provavelmente consideram a vida um “bem sagrado”.
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Mas o conceito de sagrado é subjetivo, inserido na esfera da liberdade individual de pensar e acreditar em tudo aquilo que se entenda conveniente. Como diz Maria Lúcia Karam, se o indivíduo livremente escolher adotar essa crença, certamente há de lhe ser garantida a possibilidade de se comportar em conformidade com os preceitos morais ou religiosos que assim prescrevam a indisponibilidade da vida (13).
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Mas, continua esta autora,
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o Estado não pode adotar preceito de sacralidade da vida humana. Se o adotar, estará abandonando sua necessária laicidade e consequentemente se afastando do modelo democrático. A liberdade de crer e de não crer em um ou mais Deuses ou em nenhum Deus há de ser garantida pelo estado de direito democrático.
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Assim, se a vida não pertence a Deus – e um estado laico não pode afirmar que a vida pertença a deus – e se também não pertence ao indivíduo, por sua indisponibilidade, chegaríamos a conclusão que o próprio corpo do indivíduo seria uma propriedade do estado ou da sociedade, mas isto significaria instrumentalizar o individuo, negar sua dignidade e totalitariamente contrariar os fundamentos do estado de direito democrático. Nosso Estado, em suma, não pode impor ao indivíduo o conceito de SAGRADO (14).
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Portanto defendo que venha o debate público, que se discuta com seriedade o assunto, que se retire o véu que encobre essas discussões. Que este debate se torne o centro de nossas atenções, sem medo, sem hipocrisia, sem pirotecnia, sem espetáculos de luz, imagem e som; sem receio de se perder votos, sem desvios para temas de menor importância, sem ridicularizar ou menosprezar a opinião do outro, sem 0800xxx para dizer se concorda ou 0800yyy para dizer se não concorda, sem maniqueísmos, mas sim com a honestidade intelectual que o tema merece.
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Enquanto isso, que seja respeitada imediatamente toda e qualquer decisão consciente e informada que um cidadão brasileiro tome a respeito do(s) tratamento(s) que quer ou não quer receber, caso se encontre em estado terminal ou de agonia, ainda que não concordemos com a aludida decisão.
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Caso a sua decisão o leve à morte, ainda que tempos antes do que seria a chamada “morte natural”, respeitemos o seu direito de não querer uma “morte natural”.
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Encerro com Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa e um trecho do poema “Infelicidade”.
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“...e quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, e que o poente é belo e é bela a noite que fica. assim é e assim seja”.


NOTAS
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1 -  Ley de derechos y garantias de la dignidade de la persona en el proceso de la muerte. Disponível em http://www.boe.es/boe/dias/2010/05/25/pdfs/BOE-A-2010-8326.pdf, acesso em 29 de junho de 2013.
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2 - MARTINEZ, Fernando Rey.  Que significa en el ordenamento español el derecho a vivir con dignidad el proceso de la muerte? Revista de la Faculdad de Derecho PUCP, n. 69, 2012, págs. 133-149, Disponível em http://revistas.pucp.edu.pe/index.php/derechopucp/article/view/4270/4242, acesso em 29 de junho de 2013.
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3 - Terminalidade e autonomia: uma abordagem do testamento vital no Direito brasileiro. In. PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA, Heloisa Helena (org.). Vida, Morte e Dignidade Humana, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2010, págs. 57-82.
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4 -  Terminalidade e autonomia: uma abordagem do testamento vital no Direito brasileiro. In. PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA, Heloisa Helena (org.). Vida, Morte e Dignidade Humana, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2010, págs. 57-82.
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5 -  Códigos de Ética e questões de final de vida: uma leitura ética comparada. Disponível em http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/artigo2.htm, acesso em 29/06/2013.
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6 -  LIPPMANN, Ernesto. Testamento Vital – o direito à dignidade. Editora Matrix. São Paulo, 2013, págs. 17-21
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7 - Código de Ética Médica disponível em http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra_5.asp, acesso em 29 de junho de 2013.
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8 -  LIPPMAN, Ernesto. Op. Cit. Pág. 37.
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9 -  Ley de derechos y garantias de la dignidade de la persona en el proceso de la muerte. Disponível em http://www.boe.es/boe/dias/2010/05/25/pdfs/BOE-A-2010-8326.pdf, acesso em 29 de junho de 2013 - Artigo 11.
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10 -  http://www.government.nl/issues/euthanasia/euthanasia-assisted-suicide-and-non-resuscitation-on-request, acesso em 29/06/2013.
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11 -  http://new.pensamientopenal.com.ar/sites/default/files/2012/07/codigos01.pdf, acesso em 29/06/2013.
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12 - HIRSCHHEIMER, Mário Roberto; CONSTANTINO, Clóvis Francisco; OSELKA, Gabriel Wolf. Consentimento Informado no Atendimento Pediátrico. Revista Paulista de Pediatria, vol. 28, n. 02, São Paulo, Junho de 2012. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-05822010000200001&script=sci_arttext, acesso em 29 de junho de 2013.
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13 -  In. Proibições, Crenças e Liberdade: O Direito à Vida, a Eutanásia e o Aborto. Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2009, pág. 15.
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14 -  KARAM, Maria Lúcia. Op. Cit. Loc. Cit.